domingo, 1 de dezembro de 2013

Quatorze de outubro de dois mil e doze - o amor é brega

Derrama leite em pó pela casa
Faz café na garrafa suja
E pensa que eu não sei
Quando entra no quarto
Com os pés descalços
E joga o sutiã na cadeira
Enquanto eu fico só
De calcinha bege
Porque o amor não
Liga para as cores
Ele desnuda

Teresa Coelho

01/12/2013

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Bueiro do meu corpo

As luzes dessa água
Que se afogam nas pontes
Das fontes imundas que
Invadem as calçadas
Onde o teatro ao ar livre
É só suspiro de loucos
E olhos de náilon
Sugam minhas pálpebras
Até derreterem no sol de cera

Enquanto do outro lado
Do meu coração desabrigado
Sonhos e abraços efêmeros
São pinturas silenciosas
À margem da minha
Esquizofrenia
Ontem eu fiz o mesmo caminho
E a minha casa parece
Ter ficado submersa
Em alguma estação
De ônibus

Teresa Coelho

12/09/2013

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Hiato

Onde deixei cair o par de flores
que sustentava os jarros de olhos
daquela língua que me fitava
como se fosse espatifar no céu
antes de me acordar?

(Teresa Coelho)
05/09/2013

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Espasmos

Tua mão
madeira oca
bate na minha porta
já são horas sem roupas
de cabeça para baixo
a via láctea nua

São dois montes
as nascentes
púrpura rosa
cor sem pele
o centro do universo
faz das convulsões
as tuas pernas

Em cima
dos meus ombros
quanto vai durar
uma noite entre
o infinito e o mundo?
segundos...

(Teresa Coelho)

31/07/2013

domingo, 21 de julho de 2013

As asas que calaram

Há um pássaro sussurrando no meu ouvido “se o céu fosse mais perto, eu não conseguiria voar”. A corrente de ar que escapa das asas disformes me arranha em contínuos calafrios. Sinto cada pena dedilhar as minhas costas feito a ponta de uma língua trêmula - um demônio que copula sensações sobre cheiros violentos. Asas que lambem meu corpo como se estivessem prontas para cavar o mundo embaixo da minha cova. De repente, são infinitos pássaros voando de lá para cá, disputando o branco das paredes com o engano das suas cores. Minhas cores. O vazio é um voo noturno. Os sussurros não param, percorrem pelo pescoço, puxam pelo cabelo e batem... batem... simulam. O céu é um teatro distante, onde pássaros não podem ser borboletas e a solidão é um corpo que nega suas asas.

(Teresa Coelho)

22/07/2013

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Quando as flores não são roubadas

“Não me espere, não. Hoje à noite o jantar vai ser o mesmo de ontem. Acabou o pó do café, vê se não reclama tanto, faz dois dias que não durmo.” Virgínia precisou repetir trinta vezes essa fala, mas em silêncio, para não alterar o fluxo das lágrimas. Tinha engordado bastante nos últimos meses, só as mãos que ainda cabiam naquela casa, o resto era só inchaço e a água pingando numa bacia de alumínio. Eram três horas da tarde quando ela sentiu o suor escorrer por entre as coxas. Por que oprimir as flores de alguém que nunca voltou para casa? Virgínia queria que todo o seu corpo transpirasse. Saiu sem levar as chaves de casa, não reconhecia mais a sua rua, sua cidade, sua vida. Era tão nova e sentia-se tão finita. A última vez que pintara os olhos foi por descuido da noite, da boca molhada e do pelo arrepiado. Embriagou-se no boteco mais escuro do centro da cidade. Ela ria tão alto da polícia que a encarava de longe, ria dela e ria dos vizinhos com aqueles pijamas ridículos. Seu sorriso era mais obsceno que o abandono da vida. Virgínia era a solidão pintada no rosto de uma atriz. Já era madrugada quando ela pegou um táxi que fedia a um perfume doce, a rádio sintonizada numa melancolia nostálgica. A madrugada é sempre uma melodia distante. O sol já amanhecia, mas ninguém havia esperado por ela, não havia café e tudo continuava como uma flor que murchava, aos poucos, na sombra. Tudo era chão, tudo era o fim de uma música e o começo do horário comercial.

(Teresa Coelho)

12/07/2013

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Interior

O arco é uma estrela fechada
Mas ninguém ouve
O palhaço pedindo
Socorro
É fogo! É fogo!
Pega Antônio o seu chapéu
Compra uma pipoca
Para a sua neta
E finge que não vê
O elefante pedindo
Socorro
É fogo! É fogo!


(Teresa Coelho)

sábado, 22 de junho de 2013

Passo livre

Estou tão aliviada de não ter o cabelo solto ao vento
Meu rosto vazio da tinta que escorreu
Pelas ladeiras amarelo mijo
O rádio esgoto sintoniza
A chiadeira de um final de tarde
Ao lado de quem não te ama mais
Passam os prédios
Dentro das janelas que piscam
Aos fantasmas embriagados
Passam os pássaros
Dentro de gaiolas
Que libertam as mãos dos que pedem
Comida ou uma foto histórica
Passam casas
Dentro dos vidros dos carros
Abafados
O suor é o perfume da cidade
Sutilmente o céu (des)aparece
 Enquanto eu volto a escrever
Sobre coisas que eu finjo
Que nunca vou entender.

(Teresa Coelho)

22/06/2013

quinta-feira, 30 de maio de 2013

O que se esconde nas pontas dos dedos

Meu ventre seco
a boca aberta
o chão sujo de vida
quanto tempo faz
esse tempo?
quantos sonhos
vãos
se dissolvendo?
tua língua dorme
sem abrigo
por cima desse peito
que dura
duro
meu ventre seco
o ventre dela
vazio

Teresa Coelho
30/05/2013

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Mesa de bar

Quando eu tinha amor
ele teve cuidado em querer
amar
Seleto; resolver fingir
O que eu posso fingir
quando além do amor
era eu que ninguém tinha?
O que será?
O espaço me sufoca feito
a tinta que não quer acabar
Só no esboço
meu desejo terminado
Porque quando meu peito termina,
o chão quer flutuar
no céu
devagar...

Teresa Coelho e Marcelo Julio
16/05/2013

sábado, 13 de abril de 2013

Chiadeira


A vitrola vinho cor de canela
Ainda em cima da janela
Não sabe se o sol
Desapareceu à procura dela
Ou se a canção
Só parou de tocar
Quando a rádio fez chiado
Entre as folhas que caíam
Doentes amarelas
A quem pertencem
As estações quando a música
Esquece de forrar o céu
Nuvem aquarela?
Entre o elo e ela
Eu prefiro que embebedem
A noite ou fechem logo
Essa janela

(Teresa Coelho)
14/04/2013

quinta-feira, 28 de março de 2013

Sílvia, o sol e o sexo


Sílvia acordou com o sol queimando seus pés, já passavam das 07 horas, e ela não se deu conta do resto corpo. Tomou banho olhando a água escorrer pelas mãos, observou a aliança de ouro e pensou que, como poderia ser a mesma de trinta anos atrás? Como, ali parada, poderia ela ser a mesma mulher? Quase cinquenta anos e ainda não era dona de si – talvez ela fosse como a água que se esvaía pelo ralo. Sua vida fedia. Saiu de casa sem pressa, de estômago vazio – o cigarro fazia mais efeito –, caminhou até a parada de ônibus e lamentou estar entre tantos jovens. A juventude que não lembrava mais, porque não fazia mais parte do seu passado. Sílvia era Sílvia desde que se casou com Alberto, antes disso, fora só um vulto manchado nas fotos em branco e preto. O ônibus finalmente havia chegado e, como sempre, ela preferiu sentar no penúltimo banco da parte de trás. Tão exausta de olhar para a mesma paisagem, perguntou-se por que nunca tentou observar mais as pessoas, os pés, as bocas, as marcas de suor, os olhares, em como elas também tentam esquecer ou se lembrarem de alguma coisa que deixaram passar em branco. Duas paradas depois da sua, subiu um rapaz alto, magro, com olhos fundos, barba por fazer e um par de tênis vermelho. Sentou-se ao lado dela. A presença daquele garoto incomodava-a de uma maneira estranha, teve a impressão de que deveria ter colocado uma roupa melhor ou um perfume mais forte, ou talvez tivesse ido cortar o cabelo na semana passada. Sua mente perturbava-a, como se o vulto que revestia sua alma, só naquele momento, tomasse formas. Quis fitar a boca do rapaz, imaginou que ele talvez estivesse esperando o fluxo de gente diminuir, para que começasse a amá-la. A solidão do ônibus torna as pessoas figurantes do mundo que você cria, nem que por apenas 15 minutos. Sílvia levantou-se, fitou demoradamente a boca dele, subiu a saia azul florida e sentou vagarosamente no colo do rapaz. Descobriu-se dona de si quando fez a água do seu corpo penetrar nos poros do mundo. Os corpos dançaram uma valsa tácita numa vida paralela. Pela primeira vez, ela percebeu que a paisagem de dentro às vezes consegue ser mais bela, densa e inteira. Desceu na sua parada e, da calçada, dirigiu-se ao rapaz e sorriu com o canto da boca. Ele nunca soube da existência daquela mulher, continuou estático, como se observasse a sujeira do tênis. Sílvia não era mais escrava dos dias que só cobriam metade do seu corpo. Jogou no ralo a aliança de ouro e acendeu mais um cigarro – o café depois das 07 horas fica mais forte.

(Teresa Coelho)
29/03/2013

terça-feira, 26 de março de 2013

Desaparecendo


Os olhos cansados eram os faróis daquele trem. Os trilhos enferrujados escondiam o escuro por trás do penúltimo vagão, onde a poeira era misturada às cores artificiais das lágrimas. Lágrimas simulam nosso corpo transcendendo. Perdi-me quando não consegui pular para fora dos trilhos – era o último trem da minha história. E só pude lembrar quando já não havia mais tempo para fechar os olhos – como numa arrebentação súbita – o trem não mais fazia parte daquela estrada, ele era eu com os seus olhos vagos, que iam além da vida.

(Teresa Coelho)
27/03/2013

quinta-feira, 14 de março de 2013

Jardim


Quando no fim da tarde a árvore subia pelo meu corpo
Ela subia tão alto que se desfazia na claridade
De um verde céu que não cabia dentro dos olhos
O verde escorria até meus pés feito um voo
Que soprava a terra fofa e o mato batido
Corri
Sem me dar conta de que a estrada já anoitecia
E eu, que conhecia tão bem aquele caminho
Senti imensamente medo de não saber voltar
Com os mesmos pés corridos, com a mesma
Imensidão
Eu queria esconder o tempo atrás do sorriso da minha mãe
Então eu me lembrava dela sorrindo para mim
E voltava a me confundir com as árvores
À procura de mim, dela e do verde
Que fez do céu
O dia mais feliz
Daquela tarde.

(Teresa Coelho)
15/03/2013

domingo, 10 de março de 2013

Meu bem


Vê se fica pelo menos até amanhã
Enquanto a cama ainda acalma o dia
Vou te guardar no potinho de açúcar
E só abrir quando a segunda-feira for embora.

(Teresa Coelho)
10/03/2013

domingo, 3 de março de 2013

Eco


Depois que desci do ônibus, havia só uma passarela escura, um hospital velho e alguns carros correndo apressados às suas casas, para enganar o cansaço. Fui o trecho do caminho pensando se eu teria esquecido as chaves de casa em cima da mesa do bar ou se eu poderia ter ficado mais tempo no ônibus – como se alguém atormentasse o céu tentando limpar as nuvens carregadas. Quando entrei em casa, senti meu corpo socorrendo minha alma, enquanto você ecoava na ausência onde o resto do café da sua última xícara fazia o vento congelar minha garganta num nó agudo, da sandália no canto da sala, como se os seus pés ainda estivessem lá, da toalha pendurada em cima da minha, quando ainda era o seu corpo que se pendurava à minha cintura. Confundi o quarto com o seu cheiro de erva doce amadeirada e a cama era uma veia que pulsava fora do corpo. A noite transfigura o rosto numa parte solta à realidade. O travesseiro parecia ressoar sua risada sem roupa – sua boca sorri sem roupa. Você ecoa por toda a casa, na chuva, lá fora. Se eu não tivesse descido do ônibus nem lembrado das chaves, eu não teria conhecido você, aqui, dentro de mim.

(Teresa Coelho)
04/03/2013

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Do que já não é mais azul


Suporto mais perto de mim o que não
Pressente com fluidez o espírito saindo
Pela janela gradeada do oitavo andar
Onde a luz é um feixe na parede desbotada
De uma metáfora suja sobre o que não significa mais
Estar em casa, ter um lar ou fingir que escreveu
A primeira carta de amor da sua vida quando
Já não soube mais voltar para si mesmo

(Teresa Coelho)
01/03/2013

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Ilusão que dança


As cortinas movem as silhuetas dos fantasmas e da luz,
Dançam de luto vermelho um tango para a noite
Dos bares outrora, das pernas que se entrelaçam
Na madrugada perene, no chão úmido dos solados
Quase mastigados pelo suor que escorre
Do batom desbotado das bocas fulminantes.
Quando o mofo nas cortinas limita-se
A um fluorescente entardecer
O vento para de fazer poesia
E as cortinas cessam
Em panos velhos.

(Teresa Coelho)
25/02/2013

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Quadro


O rio brando não existe na tela
Que martela na minha cabeça
A ponto de mergulhar
No chão de fumaça
A concreta forma sem fôrma
Da aquarela que se derrete
Entre meus dedos e vísceras
Os únicos dias que pude
Ver com tamanha exatidão
A primeira pintura parida
De meus dois olhos negros
Foi uma dor surrealista
Tão feita a esmo
Feito redemoinho
Que não cessa no peito
Do vento branco
Fuligem

(Teresa Coelho)
17/02/2013

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Desordem


O céu é azul por engano
Quando a luz invade o tempo
Meus músculos pesam no chão
Porque flutuo sobre mim
E perco a dimensão da realidade
Que me sustenta
Os dias refeitos num contínuo
Suor da pele que transpiram
Cada tentativa vã
De ser alguém melhor
Mas não esvazia do meu
Peito inchado o fracasso de ter
Me tornado uma amadora
De minha vida
Por coincidência
Ou por engano

(Teresa Coelho)
23/01/2013

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Domingo à noite chovia


Refaço a cama com esses panos empoeirados, e depois de mais um dia com a mesma dor nos ombros e o peso nos olhos, descubro que arrumo a cama para a solidão. Por dentro, eu durmo no chão, na parte dura e real da vida. Eu cubro a solidão, vigio seu eterno sono, amando-a num infinito de muitos ''eus'', que mesmo sendo meus não me pertencem mais. Sou escrava da minha melancolia, sou escrava de mim porque nasci e não pude ser diferente do resto do mundo e das pessoas más. Envelhecer me custará rever toda a minha cegueira e continuar cega. No mais, alguém terá que arrumar a cama, alguém terá de viver, e estou em pé esperando pelo menos que, enquanto os lençóis ainda estiverem bagunçados, é porque a vida também terá algum sentido em si, assim como os panos desfeitos de uma cama sem dono. 

(Teresa Coelho)
10/01/2013

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Vida imaginária


Tiro o lençol sujo e deixo a cama nua
À espera dela, que nunca se demora
Para deitar-se em silêncio no colchão crespo
No entanto, eu sinto o tempo
Sumir como um suspiro embaixo d’água
Mesmo com ela por perto
Arrumo a casa, preparo café
E penduro uma toalha limpa
Se a casa desmoronar qualquer noite dessas
O perfume que esconde a dor das flores
Finalmente terá seu descanso
Longe dos livros e da poesia desmontada
 - Ainda não chegou?
Ah, solidão, a sensação é de que você
Sempre está perto de chegar
Mas é sempre quase...
Melhor voltar ao lençol sujo
É ilusão esse silêncio ir embora
Basta...  

(Teresa Coelho)
09/01/2013