Depois que desci do ônibus, havia só uma passarela escura,
um hospital velho e alguns carros correndo apressados às suas casas, para enganar
o cansaço. Fui o trecho do caminho pensando se eu teria esquecido as chaves de
casa em cima da mesa do bar ou se eu poderia ter ficado mais tempo no ônibus –
como se alguém atormentasse o céu tentando limpar as nuvens carregadas. Quando
entrei em casa, senti meu corpo socorrendo minha alma, enquanto você ecoava na
ausência onde o resto do café da sua última xícara fazia o vento congelar minha
garganta num nó agudo, da sandália no canto da sala, como se os seus pés ainda
estivessem lá, da toalha pendurada em cima da minha, quando ainda era o seu
corpo que se pendurava à minha cintura. Confundi o quarto com o seu cheiro de
erva doce amadeirada e a cama era uma veia que pulsava fora do corpo. A noite transfigura
o rosto numa parte solta à realidade. O travesseiro parecia ressoar sua risada
sem roupa – sua boca sorri sem roupa. Você ecoa por toda a casa, na
chuva, lá fora. Se eu não tivesse descido do ônibus nem lembrado
das chaves, eu não teria conhecido você, aqui, dentro de mim.
(Teresa Coelho)
04/03/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário