terça-feira, 25 de setembro de 2012

Os pássaros mortos daquelas putas


Ironia são os pássaros que cantam na janela de uma prostituta, que com os cabelos desgrenhados e a maquiagem vencida, mantém intocada a postura de seu corpo marcado pela dor do ventre imundo. No verão de 1978, nascia no quarto daquela puta o canto dos pássaros. Como podia a fé nascer de fora para dentro de um sonho vazio? Quando a noite chega, a fé só passa de um filme bom, mudo e falido. À noite, os pássaros dormem, e a puta canta... O sorriso é o passo em falso que ela não pode dar. No inverno de 1994, os pássaros, subitamente, pararam de cantar, mas a puta, ela continuou cantando por todas as noites daquele inverno.

(Teresa Coelho)
25/09/2012

domingo, 23 de setembro de 2012

Vertigem


Um bêbado reconhece
A cama vazia
Quando os pés
Ainda buscam
Os lençóis frios
De uma noite
Que findara
Há anos
A morada do bêbado
É o passado
Tropeços vagos
Que embalam a memória
Com papel alumínio
Enquanto o bêbado
Finge que dorme
Os pés ainda vivem
O que hoje é só
Frio e solidão

(Teresa Coelho)
23/09/2012

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Confissões de uma sombra


Quando acordei, o dia já raiava quente no meu rosto, as pontas dos cigarros, as cervejas quentes me encavaram da janela. Achei que você tivesse voltado, achei que tinha ouvido sua voz – procurei qualquer mentira para me levantar da cama. Noite passada, eu confessei para uma estranha ‘’só faço poesia quando me apaixono’’, descobri que já tinha me apaixonado pelos olhos verdes dessa estranha; outra vez, me apaixonei pelas patas do meu cachorro, pela solidão de minha avó, pelo sexo dos loucos, pelos meus amantes, pela minha culpa, por cada pedaço quebrado do meu coração, por suas despedidas. Fiquei remoendo minhas paixões durante toda a manhã, enquanto engolia a seco minha saliva, minha ressaca, minha dor. Lamentava o valor de ser este corpo cheio de vícios, tão vazio e promíscuo. Aquele acordar suave já não fazia parte de minhas paixões – abrir os olhos era um tipo de esperança clichê. Depois de horas pensando em como levantar, em ir adiante, virei meu corpo para a parede, fitando o branco, dormi de novo. Só acordei quando o sol parou de fingir que iluminava alguma coisa dentro de mim. E no mais, cansei de lhe esperar.

(Teresa Coelho)
06/09/2012

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Instante


Minha ilusão
Foi acreditar
Que todo florista
Gosta de flores
E que todo passado
Vai embora
Que todo sorriso
Tem um motivo
Mas se eu juntar
Flor, passado e sorriso
Essa ilusão
Foi só a minha vida
Que passou.

(Teresa Coelho)
06/09/2012