sábado, 31 de março de 2012

Engano

Meu orvalho é um galho seco
E a flor que caiu no meu peito
O vento engoliu
Engoliu flor
A flor engoliu o vento
Mas a flor que engoliu o vento
Não sabia que era oca
Era oca, pois a flor
Porque de tão vazia
De tão vazia...
Só tinha cor
E o que restou da flor,
Que não sabia engolir vento
Foi aprender a tragar da sua cor
Que só o vento pode engolir
E mesmo que no mundo tudo se engula
O meu orvalho continuará seco
E a flor oca
Cor.

Teresa Coelho
31/03/2012

segunda-feira, 12 de março de 2012

Do outro lado não tem luz

Eu sei que havia o outro lado, intacto. Sempre haverá o outro lado, e eu nunca vou enxergá-lo – a gente só se preocupa mesmo com a parte vazia. Sinto fome e não alcanço minha boca, sinto que estou dormindo, e se eu acordar, o mundo todo vai desistir de mim. Minha libido ficou oca, só meus olhos umedecem e gritam... Eu sinto uma urgência em tudo, em tanta coisa desnecessária, na pele que ficou incrustada nos espaços despercebidos, naquela poesia suja, e quando lembro que você faz falta em cada parte do meu corpo, sinto vontade de me arrancar dos poros ao sangue, até me desfazer do que eu era, do que você tocou. É assim, é que a vida vai seguindo, mas eu vou me apagando, sumindo, desistindo. Ninguém pode ver o outro lado, se ele não existe mais. A escuridão sufocou a luz do meu palco mesmo antes de você sair pelos fundos desse espetáculo falido.

Teresa Coelho
12/03/2012

sexta-feira, 9 de março de 2012

Essa coisa mofada

Eu me vejo no espelho e quase não sinto o tempo passar, mas escorre na minha veia alguma coisa mofada, e me sinto amarga como se tivesse envelhecido décadas antes de ter nascido. Eu nasci com uma parte torta, machucada. Vou ser sempre uma criança machucada de mãos dadas com uma canção triste. Por dentro há um êxtase de expressões, por fora, só um rosto feio e distante. Um falso amargo de um falso tempo, de uma falsa e interrompida felicidade. A carne é falsa, a pele é crua, é cru o sorriso, é falso quando eu corro à procura de mim. Procuro no reflexo vazio o brilho de alguma coisa, no fim deve haver a essência dessa coisa... Mas que coisa?! Eu sempre cito essa coisa perdida em mim, e eu nem sei se ela existe mesmo. Deve ser só mais uma desculpa para os meus lamentos. E no final, essa coisa termina sendo eu e todas as pessoas que perco na vida. Abrigo a esperança daquilo que nunca vai acontecer. E assim como esperar, escrever, para mim, é como nunca sair de um papel em branco.

Teresa Coelho
09/03/2012