quarta-feira, 31 de julho de 2013

Espasmos

Tua mão
madeira oca
bate na minha porta
já são horas sem roupas
de cabeça para baixo
a via láctea nua

São dois montes
as nascentes
púrpura rosa
cor sem pele
o centro do universo
faz das convulsões
as tuas pernas

Em cima
dos meus ombros
quanto vai durar
uma noite entre
o infinito e o mundo?
segundos...

(Teresa Coelho)

31/07/2013

domingo, 21 de julho de 2013

As asas que calaram

Há um pássaro sussurrando no meu ouvido “se o céu fosse mais perto, eu não conseguiria voar”. A corrente de ar que escapa das asas disformes me arranha em contínuos calafrios. Sinto cada pena dedilhar as minhas costas feito a ponta de uma língua trêmula - um demônio que copula sensações sobre cheiros violentos. Asas que lambem meu corpo como se estivessem prontas para cavar o mundo embaixo da minha cova. De repente, são infinitos pássaros voando de lá para cá, disputando o branco das paredes com o engano das suas cores. Minhas cores. O vazio é um voo noturno. Os sussurros não param, percorrem pelo pescoço, puxam pelo cabelo e batem... batem... simulam. O céu é um teatro distante, onde pássaros não podem ser borboletas e a solidão é um corpo que nega suas asas.

(Teresa Coelho)

22/07/2013

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Quando as flores não são roubadas

“Não me espere, não. Hoje à noite o jantar vai ser o mesmo de ontem. Acabou o pó do café, vê se não reclama tanto, faz dois dias que não durmo.” Virgínia precisou repetir trinta vezes essa fala, mas em silêncio, para não alterar o fluxo das lágrimas. Tinha engordado bastante nos últimos meses, só as mãos que ainda cabiam naquela casa, o resto era só inchaço e a água pingando numa bacia de alumínio. Eram três horas da tarde quando ela sentiu o suor escorrer por entre as coxas. Por que oprimir as flores de alguém que nunca voltou para casa? Virgínia queria que todo o seu corpo transpirasse. Saiu sem levar as chaves de casa, não reconhecia mais a sua rua, sua cidade, sua vida. Era tão nova e sentia-se tão finita. A última vez que pintara os olhos foi por descuido da noite, da boca molhada e do pelo arrepiado. Embriagou-se no boteco mais escuro do centro da cidade. Ela ria tão alto da polícia que a encarava de longe, ria dela e ria dos vizinhos com aqueles pijamas ridículos. Seu sorriso era mais obsceno que o abandono da vida. Virgínia era a solidão pintada no rosto de uma atriz. Já era madrugada quando ela pegou um táxi que fedia a um perfume doce, a rádio sintonizada numa melancolia nostálgica. A madrugada é sempre uma melodia distante. O sol já amanhecia, mas ninguém havia esperado por ela, não havia café e tudo continuava como uma flor que murchava, aos poucos, na sombra. Tudo era chão, tudo era o fim de uma música e o começo do horário comercial.

(Teresa Coelho)

12/07/2013

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Interior

O arco é uma estrela fechada
Mas ninguém ouve
O palhaço pedindo
Socorro
É fogo! É fogo!
Pega Antônio o seu chapéu
Compra uma pipoca
Para a sua neta
E finge que não vê
O elefante pedindo
Socorro
É fogo! É fogo!


(Teresa Coelho)