“Não me espere, não. Hoje à noite o jantar vai ser o mesmo
de ontem. Acabou o pó do café, vê se não reclama tanto, faz dois dias que não
durmo.” Virgínia precisou repetir trinta vezes essa fala, mas em silêncio, para
não alterar o fluxo das lágrimas. Tinha engordado bastante nos últimos meses,
só as mãos que ainda cabiam naquela casa, o resto era só inchaço e a água pingando
numa bacia de alumínio. Eram três horas da tarde quando ela sentiu o suor escorrer
por entre as coxas. Por que oprimir as flores de alguém que nunca voltou para
casa? Virgínia queria que todo o seu corpo transpirasse. Saiu sem levar as
chaves de casa, não reconhecia mais a sua rua, sua cidade, sua vida. Era tão
nova e sentia-se tão finita. A última vez que pintara os olhos foi por descuido
da noite, da boca molhada e do pelo arrepiado. Embriagou-se no boteco mais
escuro do centro da cidade. Ela ria tão alto da polícia que a encarava de
longe, ria dela e ria dos vizinhos com aqueles pijamas ridículos. Seu sorriso
era mais obsceno que o abandono da vida. Virgínia era a solidão pintada no
rosto de uma atriz. Já era madrugada quando ela pegou um táxi que fedia a um
perfume doce, a rádio sintonizada numa melancolia nostálgica. A madrugada é
sempre uma melodia distante. O sol já amanhecia, mas ninguém havia esperado por
ela, não havia café e tudo continuava como uma flor que murchava, aos poucos,
na sombra. Tudo era chão, tudo era o fim de uma música e o começo do horário
comercial.
(Teresa Coelho)
12/07/2013