tu consegues ver o asfalto
sugando as patas daquele gato à procura da bola em descontínuos gritos & pulos
mágicos? tento não me concentrar no destino se desprendendo do calor
gravitacional dos teus glúteos e dos espaços reservados ao caminho por onde
iria escorrer teu suor. mas não deu tempo. eu consegui ver por duas noites teu
ônibus depressa te levando embora da multidão que confortava meus medos por trás
da tua blusa repetida. percebes as luzes artificiais de dezembro? acho que eu
só percebi hoje. as portas que não batemos palma mas arrombamos somente com a
vontade de entrar. tu te importas de esperar à janela? às vezes tu somes por
quase uma vida e voltas a aparecer no espelho do banheiro, covardemente eu olho
de volta. refaço os retalhos da minha oração enquanto santos católicos dançam
um tango eletrônico com vênus no cabaré da cidade e esse amém no meu peito são
5 cervejas e meu estômago vazio. está tudo sob controle. deixa eu te telefonar
e te contar que minha família foi um porta-retrato incendiado desde a última
vez que ouvi "summer 78" e imaginei que todos estivessem me esperando
em casa. nunca houve casa. a garganta dos helicópteros tritura o pôr do sol na
última tentativa de chegar a tempo num encontro que não vai acontecer. nada vai
acontecer. não adianta correr. nada vai acontecer. não adianta correr. nada vai
acontecer. no céu tu crescendo
tu sorrindo
tu voltando
tu de olhos abertos
tu fugindo do céu
de peito escancarado
dentro de redemoinhos fluorescentes.
tento não te confessar mas todas as camas são púlpitos sem esperança. acho
que meu ônibus chegou e não me concentrei o suficiente na vida ao meu redor. eu bem que tentei te avisar antes que tu percebeste que nada aconteceria. tentei segurar tua orelha na minha boca. tantas vezes. tantas vezes
eu deveria ter corrido.
Teresa Coelho
12/12/2014