domingo, 14 de dezembro de 2014

Espero tu não fiques sabendo das coisas que não aconteceram

tu consegues ver o asfalto sugando as patas daquele gato à procura da bola em descontínuos gritos & pulos mágicos? tento não me concentrar no destino se desprendendo do calor gravitacional dos teus glúteos e dos espaços reservados ao caminho por onde iria escorrer teu suor. mas não deu tempo. eu consegui ver por duas noites teu ônibus depressa te levando embora da multidão que confortava meus medos por trás da tua blusa repetida. percebes as luzes artificiais de dezembro? acho que eu só percebi hoje. as portas que não batemos palma mas arrombamos somente com a vontade de entrar. tu te importas de esperar à janela? às vezes tu somes por quase uma vida e voltas a aparecer no espelho do banheiro, covardemente eu olho de volta. refaço os retalhos da minha oração enquanto santos católicos dançam um tango eletrônico com vênus no cabaré da cidade e esse amém no meu peito são 5 cervejas e meu estômago vazio. está tudo sob controle. deixa eu te telefonar e te contar que minha família foi um porta-retrato incendiado desde a última vez que ouvi "summer 78" e imaginei que todos estivessem me esperando em casa. nunca houve casa. a garganta dos helicópteros tritura o pôr do sol na última tentativa de chegar a tempo num encontro que não vai acontecer. nada vai acontecer. não adianta correr. nada vai acontecer. não adianta correr. nada vai acontecer. no céu tu crescendo
tu sorrindo
tu voltando
tu de olhos abertos
 tu fugindo do céu
de peito escancarado
dentro de redemoinhos fluorescentes. tento não te confessar mas todas as camas são púlpitos sem esperança. acho que meu ônibus chegou e não me concentrei o suficiente na vida ao meu redor. eu bem que tentei te avisar antes que tu percebeste que nada aconteceria. tentei segurar tua orelha na minha boca. tantas vezes. tantas vezes
eu deveria ter corrido. 

Teresa Coelho

12/12/2014

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Todas as pontes sem cadeado

talvez eu não saiba mais o que vestir quando tu voltar. dois ombros cansados das nuvens ciganas que não conseguem mais adivinhar onde dói a chuva na gente. atravessei duas pontes molhadas de peixes apodrecidos e zumbis sem dentes só para pensar mais uma vez e mais outra vez na última imagem petrificada das tuas costas. em nome do meu adeus precipitado tive que atravessar tua imagem em silêncio como se tu fosse sair de todas as portas daquela avenida. teu rosto ainda está na almofada comprada na última liquidação do ano passado e através do box quebrado do banheiro a água vai desenhando teu corpo com frio e a xícara sempre fica com a colher que tu não lava. o amor ele só vive nas cartas e nos pedidos de desculpa mas agora mesmo eu não consigo cruzar os braços no estômago sem pensar que isso também é amor. tua mão abrindo a grade da tua casa e alisando o cachorro e me ensinando a matar baratas. por que tu foi grudando desse jeito nas coisas mais invisíveis e por que tudo parece querer pular da janela do ônibus como se as luzes das casas fossem tapetes mágicos. talvez eu não saiba mais o que vestir quando tu não voltar. 

Teresa Coelho


11/10/2014

terça-feira, 30 de setembro de 2014

As formigas são amarelas

eu teria que flutuar sobre algum fio elétrico do espaço para desconstruir estes últimos meses. um único fio. aquele em que paralisariam os circuitos atmosféricos pelos nervos de nossos destinos. um fio de cabelo morto no travesseiro de alguém que nunca vou conhecer. o fio da agulha que aperta os dedos envelhecidos da minha avó anos-luz de minhas mãos. o fio da cortina que abriga as cores do sol de meu sono e os animais surrealistas de oito patas e fendas mortíferas. as últimas horas desde que nascemos perdi todos os meus amigos como se fossem partículas desconectadas de um filme em preto & branco esperando o mute infinito. um fio em que reunissem todos os erros cometidos depois de não poder mais atravessar as ruínas do perdão. duas mãos que se soltam suadas como se a timidez fosse presságio para os dias felizes. duas mãos que se soltam suadas como se a distância fosse a espera do fim. um velho que não podia andar me parou em frente à sua casa para dizer que finalmente conseguiu afastar as folhas que impediam a passagem das formigas. o fio de centenas de formigas marchavam em direção à lua enquanto o gigante sustentava o céu com suas muletas. e que todas as passagens labirínticas de meus dias sejam o fio da única despedida - antes que tudo desapareça de novo.

(Teresa Coelho)

30/09/2014

quarta-feira, 30 de julho de 2014

"Don't try"

A Charles Bukowski e a todos os fantasmas que dormem durante o dia 

a pupila dos quatro cantos do meu coração dança no fundo da única cerveja que consegui comprar, três reais e 50 centavos. os ônibus estão em greve e faz seis dias desde que esfreguei minha mão no pau amarelo da jaula ambulante - catarro dentes podres merda hipocondríacos putas biscoitos suor punheta bíblia pessoas perdidas touch screen. veja: o que aproxima a privada do banheiro da minha casa ao boteco mais próximo da esquina é o medo. eu sinto muito a tua falta e a maneira de como tu me comia naquela casa antiga sem cama. eu sinto muito. eu sinto muito medo. às vezes esqueço o som da minha voz desde que me mudei para a casa do canal e das crianças sem pais. aqui ninguém tem identidade. "you're gonna make mistakes, you're young". todos os dias eu tenho que dizer ''débito'' para a moça que não sorri para mim e ela depois pede minha senha. sinto medo novamente. ninguém se importa depois que você disser "obrigada" e for embora. eu estou no meu quarto agora e estou passando a língua nos meus dentes porque sinto muito medo de perdê-los enquanto algum muro estiver caindo nos miolos de alguma criança do outro lado do mundo. próxima semana eu começo a terapia. não. prometi que isso não seria sobre minhas mentiras. próxima semana eu continuarei sem tempo para me depilar. tem uma barata com o corpo arregalado na cozinha e sua mãe não poderá vir ao enterro e nem eu poderei enterrá-la porque eu preciso me acostumar a sentir medo. eu sou um monstro. às vezes fecho a porta do quarto com muita força porque lembro que não haverá ninguém para me salvar. tu lembra do dia que eu te mandei uma carta pedindo desculpas por ter gostado do jeito que tu sentou naquela escada e nunca me abandonou? não. tu nem sabe disso. eu ainda usava uma blusa "the grunge is not dead". eu queria que um dia tu soubesse que eu não consegui me tornar uma pessoa melhor depois de todos esses anos. eu sinto falta do meu all star vermelho. eu já tive dengue duas vezes e já mergulhei de costas numa piscina. não tenho ido bem na universidade. eu sinto muito. faz uma hora que a cerveja acabou. tu poderia apagar a luz? e ir embora. eu sinto muito medo.

Teresa Coelho

30/07/2014

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Bioluminescência

Solta a minha mão
Condenada
A acenar
Para os ambulantes
Que não me oferecem
Nada em troca
Pelos vaga-lumes
Que extraviam a luz
Para uma invisibilidade
Quase (des)humana
E enlouquecem
Numa transgressão cega
De vida

Teresa Coelho
14/05/2014



domingo, 6 de abril de 2014

O 3º ciclo de Saturno

Já não sei mais
Em que ciclo de Saturno
Meus poros vão fechar
Se eu seguir o tempo que
Foi perdido
Na pressa do sol
Cor púrpura de uma flor
Morta
Meu perdão será o trilho
De que Deus?
Quando bastava a verdade
Para esclarecer tudo
Escolhi abandonar
Minha liberdade
- Não posso existir.

(Teresa Coelho e Marcelo Júlio)

28/03/2014