sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Se amanhã não chegar


O meu amor viu a lua nascendo primeiro
Eu tão longe dela, só vi o céu nu...
Será que o amor é a mesma contradição do céu?
O nu é puro da cor da luz que você toca
Quando pesa minha presença na mesma rede
Das tarde quentes que dividiram o seu perfume
Com a maresia do seu cabelo e com esse corpo
Que lhe escreve lembrando de todo o seu contorno
Quando era a luz do fim da tarde que contornava
Seu quadril feito à mão, linha e agulha
Depois da lua, tudo é branco e lúcido
Menos os seus olhos, que me encaram como se a noite
Fosse infinita...

(Teresa Coelho)
28/12/2012

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Bilhetinho de geladeira


Eu pertenço às suas cores, que de tão soltas no mar, desabrocham o céu que pinta meus olhos. A canela vem da sua boca para eletrificar meu corpo – beijo que estremece a língua, o colo e o ar. Seu rosto sereno soa feito uma canção de dormir para os medos renascidos de uma vida oculta, trazendo de volta o que a gente esquece que é verdadeiro. Se o seu amor for verdadeiro, traz-me as flores que deixei plantadas no seu sorriso? Traz jardim, traz verde, traz vento, traz paz. Vem!

Teresa Coelho
27/12/2012 


domingo, 16 de dezembro de 2012

Nada


Quando a vida se despede do dia
As coisas findas se desprendem
De mim

Debaixo da água há sempre
Olhos embaçados
Que sorriem

 Para quem vê o rosto
De quem não sabe flutuar
 Afundar

Como se voltar à superfície
Fosse mais fácil para
Esquecer

(Teresa Coelho)
16/12/2012

domingo, 2 de dezembro de 2012

Teatro experimental de domingo


Primeira parte: Acidentalmente uma introdução

Uma casa numa rua escura, com pouco movimento e alguns fantasmas. A casa é mal pintada, velha, e, às vezes flutua no submundo dos medos – enquanto uma pessoa chora, outra pessoa está fazendo sexo com um desconhecido – apenas uma nota para acrescentar na entrada perto do portão, mas não pulemos as etapas. O portão é enferrujado, mas o sangue na maçaneta ainda está quente.

Segunda parte: A solidão é concreta

Dentro da casa revelam-se os figurantes: uma cadeira sem encosto, um colchão mofado, um ventilador com muriçocas mortas, uma televisão fora do ar, um sapato molhado, latas de cerveja, pontas de cigarro, parede derretida, luz colorida meio escura, alguns zumbis que passam no reflexo do espelho quebrado, um copo sujo de batom vermelho, uma pia com vazamento, sonhos sem dono, geladeira vazia. (Observação: percebe-se o chão um pouco fora da realidade, nascendo ao contrário do sol).

Terceira parte: Personagem de caráter patético

Posição da personagem indefinida no cenário. Sem postura, o olhar nunca é intenso, deve sentir-se olhando para o buraco de uma fechadura que, por azar, tem uma chave – certo mistério cansativo. O sorriso vai brotar quando não souber o que falar, mesmo sendo escrava dessa casa, ela vai ter que sorrir, porque a rotina emperrou sua espontaneidade. Ela tentará gritar, mas algo reprimirá seu desespero, como se incomodasse o mundo com seu jeito exaustivo de expressar o que sente.  A personagem tem um perfil comum, e sendo assim, não será preciso investigar sua relação com o resto do cenário nem tampouco com o resto do texto ou da vida. Talvez ela desmanche-se perto do colchão mofado, para que não percamos tempo com um final evidente de tragédia cotidiana.

Quarta parte: Análise sobre a mente

Não é permitida a entrada de personagens fictícios para não perturbar a autora do texto – e ação!
- Corta!
(Teresa Coelho)
03/12/2012

Casa nova


O mar acordou cinza, como se alguém houvesse ateado fogo no céu e tivesse chovido lampejos de estrelas mortas. Noite passada, o calor foi quase mortal, as únicas partes frias da casa eram o escuro e o meu coração – o frio era para ser branco. Vaguei inquietamente pelas paredes, esperando que qualquer rosto atravessasse aqueles tijolos velhos para enxergar meus olhos despedaçados. Você tira fotos de rostos ausentes; seu amor é tão distante de quem eu sou. A solidão é o egoísmo da alma? A paz é o disfarce do nosso abismo? Ninguém bate na minha porta. Que horas são? E você nem ficou quando o café esfriou, mas já anoiteceu, e amanhã poderá fazer sol.

(Teresa Coelho)
02/12/2012