quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Eu, a foto e o fantasma


Havia uma garota encostada na parede
Fotografando o seu seio pequeno
Enquanto olhava para mim
Ela sorria sem saber que eu estava ali
Sempre tão vaga e doce e ausente
Oscilava os olhos para a lente da câmera
E para minhas mãos
Mas por que diabos para as mãos?!
Se eu tinha um coração batendo forte
Esperando ser notado
Fotografado...
Era um tipo de desencontro suave
Uma falsa timidez de gestos programados
Quando a vida naquele dia começou a ser notada
Ela vestiu o casaco
Derreteu o sorriso, tornou-se presente
Olhou-me nos olhos e deixou cair as fotos
Quando dei por mim
Acordei na cama
Segurando meus seios, olhando para minhas mãos
Evitando ser notada
Pois já não havia mais nada
Que não fosse
Eu mesma

(Teresa Coelho)
31/08/2012

Aqui perto


Mãe, escuta-me de uma só vez
Eu fui caminhar na rua deserta
Fiquei pensando apenas no seu colo
Mãe, eu chorei na calçada de casa
Esperando você abrir a porta, e gritar:
- Não dói mais, filha! Levante-se daí!
Ô, mãe, eu fui dormir sufocando os travesseiros
Pensando na sua mão alisando minhas costas
Por favor, fala baixinho agora:
- Minha Flor, vai passar, vai passar...
Qualquer coisa para amparar esses soluços!
Qualquer calma, qualquer calma...
Esse seu medo dói mais mim, rasga mais em mim
Do que no seu orgulho de mãe
Pensa em mim...
Essa angústia parece não ter mais fim
E eu não consigo mais dormir
Sem chorar por mim
Sem você

(Teresa Coelho)
30/08/2012

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Recomeço


Falta a introdução da minha vida
Que nunca caberá na primeira linha
Da primeira folha do primeiro livro
Pois como o amor já não há de se debater
Jogo minha tolice no primeiro sorriso do dia
Eis as comparações do meu preto e branco:
É como fitar no escuro uma parede branca
E desafiar a morte quando se está morrendo
Cravar no peito aberto outro coração parado
Encarar os olhos cerrados de um defunto
Peneirar a água suja que escalda o corpo
Fixar o vulto da alma nas coisas práticas
É como voltar para você quando eu já me bastava.

(Teresa Coelho)
28/08/2012

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Levando


Meu coração mendigo
Finge que é rico
Pra te comprar
Sorrisos à prestação

(Teresa Coelho)
20/08/2012

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Cenário


Ah, meu bem
O amor
Esse sentimento
Travestido
De egoísmo
E solidão
Fez-te
Adulto sem asas
Perdeste teu amor
Na mesa
De um bar
O último vulto
Foi a Ilusão
Petrificada
Nas tintas
Desses poetas
Tolos

(Teresa Coelho)
15/08/2012


terça-feira, 14 de agosto de 2012

Ah...



Ah, esses teus olhos,
Que engolem minha retina
Para dentro
Desse teu verde
Calafrios...
Ah, essa tua boca,
Que cala meus suspiros
Para dentro
Dos nossos corpos
Suados...
Ah, tu,
Que se alastras
Por dentro
Dessa minha bagunça
Tua...

(Teresa Coelho)
14/08/2012

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Pequena comunhão de sentimentos marginalizados pela dor:


-o teu reflexo, aonde foi?
-pro espelho
-é longe?
-não lembro
-tem vida?
-parece um vulto
-a gente sente?
-transborda
-vai arder?
-feche os olhos...

 Quebra-se um espelho.

(Teresa Coelho)
10/08/2012

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Fotografia


Fez do círculo que ardia em chamas, o seu único encanto: perdendo-se o fim e o começo. O feitiço da vida é não saber onde ela começa, nem onde termina. Círculos, círculos, círculos. Vida.

(Teresa Coelho)
09/08/2012

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Ana


Marchavam a caminho da cova acompanhados pela luz do sol, e o que sabiam daquela luz, era o fardo do corpo que carregavam já sem vida. Descalços, os pés ruídos pela terra seca, as bocas fazendo-se mudas em prece, em vão, abriam os olhos suplicando por qualquer gota d’água que caísse enxurrando a dor. Ana tinha doze anos quando descobriu que além daquele fardo, também havia uma alma infida. Com seus pés pequenos, a pele morena avermelhada, cheiro de mato e sorriso no canto do rosto, desenfreou para fugir de milhões de pernas que pisavam sua pequena existência. Ela corria, e corria, e corria, e corria... buscou todo o fôlego na vida que acabara de ser descoberta. Pousando as mãos no rosto, jogou-se com toda sua força para dentro de si. Impacto. Silêncio. Mergulhou num poço, e a água a invadiu como se fossem centenas de facas penetrando os espaços vazios e rachados de todos os seus sonhos – sonhos afogados. Ana adormeceu com uma flor que boiava acima de suas costas. A flor seria então, sua vida separada de seus sonhos? Ela nunca acordou para descobrir.

(Teresa Coelho)
06/08/2012

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Última tarde de julho


Enquanto discorro meu corpo na incerteza desses afagos, o verde dos teus olhos bebe cada copo da minha angústia, como se a sede fosse um pretexto para me afogar nos teus goles. A última tarde que encontrei o sol, tua pele tremia dentro de mim, teu cabelo gemia nas minhas mãos suadas, vi o teu rosto se desfazer para pintar de verde o chão onde dormia nossa valsa muda. Dois desconhecidos se encontram na mesma esquina que separa o destino do amor. O sol ficou verde depois dos teus olhos, e o meu chão, completamente embriagado.

(Teresa Coelho)
02/08/2012