quarta-feira, 30 de junho de 2010

Sem Título

O meu canto é soprado pelo lugar que eu gosto de habitar. Prefiro os botecos empoeirados, com pouca iluminação vermelha e verde. Chão escuro de madeira com manchas de bebida, cheiro de cigarro, gelo seco e sexo. Nenhum olhar se encontra por medo, é por vontade, é por fazer de conta que está olhando, é pra reacender alguma saudade. Estou bem, muito bem ao lado das putas, dos gays, das lésbicas, dos doentes terminais, dos covardes, dos solitários e da minha solidão. Queria fotografar o barulho dos copos brindando a irrelevância de estar ébrio, porque há uma mutualidade de sentimentos dispersos, e cada lágrima representa uma dessas agonias. Meu vício agora é beber o meio termo da vida, o bigode dos velhos abandonados, a cárie das crianças com sede, a impotência sexual dos fumantes, o frio dos mendigos, os pés dos garis, as mãos do agricultor, o mundo dos autistas, o grito do parto. Fuligem de carro; alguém cai de repente no meio fio; um salto quebra; uma mãe desesperada liga; um caminhão espreme um sapo; uma folha cai; um gato se assusta; alguém morre. As portas estão se fechando, as pessoas vão embora do boteco deixando marcas vermelhas de batom nos copos, garfos caídos, cabelo no chão. De alma lavada saem e se deitam com vergonha do que fizeram, para no outro dia irem trabalhar como fantoches sem plateia.

Teresa Coelho
28/06/2010

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Colapso

Além de mim eu sou o que restou de você. E você é qualquer um que passa por mim. Mas tem que passar rasgando, porque o resto é a sobra da fome, é o que não coube mais por excesso. Por isso eu sou excesso de sobras, além do que já sou.

Teresa Coelho
23/06/2010

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Mais feliz

Senti minha alma levitar como nuvem que se esquece de parar de crescer, feito vontade que se entrega no tremor das pernas, e deixa entregue por falta de controle a respiração afogada. Encostei minhas costas numa parede suja para fitar em você alguma coisa que também estivesse em mim, mas onde estávamos em nós mesmos? Um no outro? Qual o tamanho dessa busca? Fui ao teu encontro. Não senti meus pés, porque já não sabia se eram os meus ou os seus que me sustentavam. Não senti meu ar, porque também já não sabia se era o seu oxigênio ou o meu que me fazia viver. Deixei sem direção minhas mãos, por assim levar no escuro o líquido que nos juntou numa mesma carne. Tenho uma voz que precisa sair, minha inquietude tem fome por sua pele; por sua pele inquieta. Um dia direi às estrelas de seus olhos que a calma tem a suavidade da sua língua cravada no meu calor. Agora deito sem saber o porquê de tantas palavras, se eu podia apenas deitar sabendo que está chovendo e que sem você não há mais necessidade de vida.

(Teresa Coelho)
18/06/2010

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Entre a casa, vísceras e confetes.

-Vísceras e confetes. Disseram entre si. Não havia paz naquele lugar, o chão escondia o peso dos pés e as paredes exalavam a poeira dos corpos imundos; sedentários de prazer. O ácido que saia da casa afagava minha dormência e perfurava meu semblante. Minha casa interior. Nela estouravam goteiras em todos os cantos, saíram e fecharam a porta por fora, por isso a cada dia o mofo só aumentava e a luz se tornava uma confissão antiga... O acaso banalizou sentimentos que eu não pude viver. Os confetes viraram papéis repicados, pisoteados e enlameados por sapos, baratas, formigas, pessoas, cinzas de cigarro e garrafas. Virei saliva que difama a rua. Estou sendo demolida por fazer barulho e tentar desabar minha morada interior; acabei desabando de qualquer jeito... E despenquei de mim, do meu carnaval, da minha eternidade. Fui me desmontando, me achando, me matando. –Eu desmontei. Disseram entre si. Cada um com o seu silêncio, razão e ódio. Mas o desejo era dos dois, eles se pertenciam a partir daquela despedida. O mesmo desejo, a mesma carne, a mesma boca, a mesma culpa. –Entre vísceras. Disseram entre si e descansaram.

(Teresa Coelho)
14/06/2010

terça-feira, 8 de junho de 2010

Ausência poética

Ok, isso já tá ficando meio banalizado, cansei de hipocrisia. Quer saber mesmo o ser humano que eu sou? Apenas saiba, mas não se aproxime. No começo serei atenciosa, inteligente, simples... Depois de algum tempo vou enjoar de você, porque suas qualidades e seus defeitos não me atrairão mais. Passarei a ser fria, vou fugir de você, não deixarei de gostar, no entanto algo no seu jeito de viver me fará ter nojo, argh. Sou egoísta, estranha, anti-social, tenho complexo de inferioridade, sou extremamente carente e inconstante. Vivo nos extremos do amor e do ódio o tempo todo. Qualquer palavra que você me disser pode me ofender ou me iludir. Qualquer. Ah, odeio gente com dentes verdes e que usam alma de flores. Outra coisa, pessoas que têm medo de viver, distancie-se, já não basta toda a minha carga disso. Sou intensa, dependendo da pessoa que me despertar a isso. Hoje, e sempre, creio eu, sinto que viver do jeito que eu vivo é muito vazio, essa minha eterna busca pela perfeição das pessoas e das coisas, essa eterna cobrança só faz de mim mais uma que não sabe o que porra está fazendo aqui. Realmente eu não sei para quê vim. Mas enfim, não quero fazer poesia por hoje, só fique claro que minha presença é totalmente concreta ou totalmente vaga.

Teresa Coelho
08/06/2010

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Não era pra escrever

O brilho do olhar virou insensatez. Sugaram meus planos e minha razão; sonhar virou ardência. Aquele olhar apertado, o gosto de menta no lábio trêmulo. A história que não podemos escrever... Não insista, não revelo. Eu só queria deleitar meus braços na sua calma, mas não, não se pode escrever. Estou suja, estou vaga, estou imprevisível. Há alguém que possa me servir mais calor que rancor? Há alguém que possa me perdoar por ser inconstantemente complexa? E há alguém? Não há. Não se pode escrever isso também. Junte as músicas, o meu cansaço, minha ansiedade, junte tudo que lhe dei por nada, e deixe mais inacabado que minha vida. Retroceda. Perdoe e me esqueça. Não posso escrever, não posso, não posso... Se não tenho você aqui, não posso escrever nossa história, não posso... Enfim, volta.

Teresa Coelho
07/06/2010

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Céu

Hoje eu não quis acordar, nem dormir... Fiquei meio morta, meio viva. Meio alguém. A metade de mim já é muito para o que eu valho, é muito para o que ainda falta preencher. Eu era velha quando comecei a nascer por isso meu coração não bate mais vermelho, bate com todas as cores. Tracejo minha solidão com pontas de algodão queimado, enquanto recorto do meu pulso cicatrizes esquecidas no passado, no contratempo feito de sangue, água e sal. Já disse que o céu quase caiu em cima de mim essa madrugada? Veio correndo, flamejando pelas estrelas e se entalando pela escuridão, a imensidão fora o que o parara. Por isso estou na metade – metade fogo, grito, pavor, escândalo, ousadia, indecência. Já a outra sou eu, e bem, dessa não tenho muito que falar, mas se você quiser respirar no vácuo, fique à vontade.

(Teresa Coelho)
04/06/2010

terça-feira, 1 de junho de 2010

Entardecer

Sinto teu sangue pulsar nas minhas unhas e com o encéfalo rasgo tua roupa, e perfuro tua carne com o meu corpo. Caiu a tarde, e todos os meus delírios escoem para baixo da respiração falha que ofega nesse quarto, extremamente íntima, sem delicadeza, nem compostura. Desfaço-me. Levanto-me tonta de saudade, minha visão embaçada e perdida num branco, na lembrança dos teus suspiros. Suspiros? Eu disse suspiros? Perdão, mas estão na minha insaciável imaginação. Ando por esse cubículo no escuro, tateando a parede gelada até me arrepiar, até me machucar com algum lixo no canto do meu ermo, até cansar de te procurar em mim e em tudo que eu toco. Mas a verdade é que eu nunca canso. Eu vou me arrastar no teu amasso, eu vou implorar pedaços do teu grito, eu vou jogar tuas pernas na minha cintura, eu vou... Eu vou! Tu irás sentir a alma falando e sair quicando pelos poros, envenenada e viva. Viva! Viver é sair descalço e voltar sem os pés. Entardecer é tão triste. Todavia só sei oferecer tristeza e libido, o meu riso vem do acaso. O pináculo da solidão é o meu caminho delimitado, promíscuo, sujo... Sujei-me ao nascer e quanto mais tento me purificar mais inconstante fico. Estou sendo estuprada pela vida e a alma é meu gozo. Disseste que viria me ver ao final de cada dia, por isso te espero no fim de cada noite... Espero.

(Teresa Coelho)
01/06/2010