quinta-feira, 28 de março de 2013

Sílvia, o sol e o sexo


Sílvia acordou com o sol queimando seus pés, já passavam das 07 horas, e ela não se deu conta do resto corpo. Tomou banho olhando a água escorrer pelas mãos, observou a aliança de ouro e pensou que, como poderia ser a mesma de trinta anos atrás? Como, ali parada, poderia ela ser a mesma mulher? Quase cinquenta anos e ainda não era dona de si – talvez ela fosse como a água que se esvaía pelo ralo. Sua vida fedia. Saiu de casa sem pressa, de estômago vazio – o cigarro fazia mais efeito –, caminhou até a parada de ônibus e lamentou estar entre tantos jovens. A juventude que não lembrava mais, porque não fazia mais parte do seu passado. Sílvia era Sílvia desde que se casou com Alberto, antes disso, fora só um vulto manchado nas fotos em branco e preto. O ônibus finalmente havia chegado e, como sempre, ela preferiu sentar no penúltimo banco da parte de trás. Tão exausta de olhar para a mesma paisagem, perguntou-se por que nunca tentou observar mais as pessoas, os pés, as bocas, as marcas de suor, os olhares, em como elas também tentam esquecer ou se lembrarem de alguma coisa que deixaram passar em branco. Duas paradas depois da sua, subiu um rapaz alto, magro, com olhos fundos, barba por fazer e um par de tênis vermelho. Sentou-se ao lado dela. A presença daquele garoto incomodava-a de uma maneira estranha, teve a impressão de que deveria ter colocado uma roupa melhor ou um perfume mais forte, ou talvez tivesse ido cortar o cabelo na semana passada. Sua mente perturbava-a, como se o vulto que revestia sua alma, só naquele momento, tomasse formas. Quis fitar a boca do rapaz, imaginou que ele talvez estivesse esperando o fluxo de gente diminuir, para que começasse a amá-la. A solidão do ônibus torna as pessoas figurantes do mundo que você cria, nem que por apenas 15 minutos. Sílvia levantou-se, fitou demoradamente a boca dele, subiu a saia azul florida e sentou vagarosamente no colo do rapaz. Descobriu-se dona de si quando fez a água do seu corpo penetrar nos poros do mundo. Os corpos dançaram uma valsa tácita numa vida paralela. Pela primeira vez, ela percebeu que a paisagem de dentro às vezes consegue ser mais bela, densa e inteira. Desceu na sua parada e, da calçada, dirigiu-se ao rapaz e sorriu com o canto da boca. Ele nunca soube da existência daquela mulher, continuou estático, como se observasse a sujeira do tênis. Sílvia não era mais escrava dos dias que só cobriam metade do seu corpo. Jogou no ralo a aliança de ouro e acendeu mais um cigarro – o café depois das 07 horas fica mais forte.

(Teresa Coelho)
29/03/2013

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