segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Coração antigo


Ah, se eu invento de escrever sobre meu coração antigo,
Meus olhos vão fechar-se por um pouco mais de cinco segundos,
Hei de sentir os vultos que perseguiam minhas costas.
Não sei mais por que eu rezava todas as noites,
Às vezes, adormecia no ‘’Santo anjo... ’’, às vezes, acordava
Para recomeçar tudo, como se algo de ruim pudesse acontecer-me.
Hoje, não consigo mais rezar, então penso que nada importa muito,
Porque posso abrir uma garrafa de vinho e morrer antes de bebê-lo -
A garrafa despencaria no chão, os vidros se despedaçariam,
A terra beberia o vinho assim como comeria meu corpo.
Se amanhã chover, certamente vou querer algo para amparar-me,
Ficarei enferma, o tédio escorrerá sobre a vidraça,
O frio atingirá cada poro do meu corpo,
E, raramente, alguém se lembrará de seus primeiros anos...
A alma não tem lembranças, mas há sempre algo que permanece,
Algo que fica intacto - tornam-se lembranças das lembranças...
Um lugar onde todos ainda estão vivos, seus brinquedos estão novos,
Sua mãe é algum tipo de anjo, seu sorriso floresce outros sorrisos,
Seus pés podem voar quando a solidão ainda não significa solidão.
Aprendi com o tempo aquilo que o tempo não me ensinou,
Nunca saberei quando meu coração parou de crescer,
Pois, desaprendi com a vida aquilo que o tempo me ensinou.

(Teresa Coelho)
27/11/2012

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Peito aberto


A mão fechada no peito
É a vontade de arrancar
Todas as estrelas
Que a noite já me deu
Flores azuis são
Pinturas sem nuvens
Minha alma calejada
São as noites inacabadas
Dos sonhos longos e escuros
Que eu não pude fugir
Se eu arrancar de mim
O céu do meu peito
Aonde vão parar as estrelas
Quando eu não conseguir mais sonhar?

(Teresa Coelho)
22/11/2012

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Fantasma de meia idade


O despertador toca às cinco horas da manhã todos os dias. Dalva abre os olhos e fita o teto, fica se perguntando por que ela sempre se esquece de tirar a poeira dali. Nunca conseguiu ter filhos nem um marido. Quem sabe ainda fosse virgem – ou tivesse um ventre nostálgico. Levanta à procura da sandália desgastada, que um dia fora confortável, mas hoje é automaticamente uma parte velha do corpo. Dalva fuma para se adaptar à solidão e bebe café forte para se sentir mais convencional. A meia idade já não era tão boa como antes. Os seios murchos pesam cada vez mais sobre suas mãos, eles são feitos dentro da vitrola quebrada que fica no vão escuro da música. “Por que nos levantamos todos os dias?” pergunta Dalva ainda olhando para o teto. Já são cinco e quinze da manhã, e a pobre mulher nunca teve tempo para imaginar uma vida diferente da sua. Pôr a mesa; tirar a mesa; lavar os pratos; secar os pratos; enxugar as mãos; acender um cigarro; café; jogar o lixo; tirar a roupa; tomar banho; chorar; fechar os olhos; vestir a roupa; sair de casa; calor; medo; trânsito; trabalho; café; cigarro; estresse; cansaço; voltar para casa; esquecer o pão; dor de cabeça; armário vazio; televisão ligada; vizinhos felizes; solidão; olhos vagos; rugas; tirar a roupa; tomar banho; espelho embaçado; cama; cinco horas da manhã e o teto ainda empoeirado. Temos fantasmas internos que gritam por respostas, Dalva é apenas um fantasma de meia idade, mas que se levantou, pois nenhuma resposta mudaria sua vida – a gente levanta porque a vida é muda e verídica.

(Teresa Coelho)
14/11/2012

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Quarto escuro


Já que o tempo não passa
Eu abro uma cerveja
Enquanto ela estiver gelada
Eu não estarei sozinha
O último gole sempre vem quente
Deitar pra quê?
Se o sono não chega
Deixa o mundo girar
Que se eu fico com sono
Minha cabeça esquece a dor
Deixa o chão se abrir
Que se eu tiver medo
Não vou levantar
Mas deixa o medo me engolir
Que se eu não chorar
Não vou aprender a crescer
A cerveja acabou
E o sono não chegou
A angústia não passou
Deitei e nada girou
No mais, ainda posso chorar
Ainda posso aprender
A crescer

(Teresa Coelho)
12/11/2012

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

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O peso da minha matéria decomposta
Sopra da boca estranha a minha solidão
Um dia, dois olhos, três versos
Quatro palavras, cinco dedos, seis sóis
Sete bocas, oito vinhos, nove amores
Suspendo o dez em mais um dia e em nada
Meu peito levitou a saudade
Em fotos que reproduzem um vazio amarelado
Que entorpecem vidas sãs
Membros e números amputados
Das pessoas enterradas em câmera lenta
Na imagem borrada de mofo
E ninguém reconhece o que teria sido
O que viveu já não passaria de lembrança...
Lembranças são sonhos adormecidos
Entorpecidos?
No intervalo entre o tempo e a vida
Eu sou poesia

(Teresa Coelho)
08/11/2012