sábado, 25 de setembro de 2010

M

Conheço a carnosidade da tua alma, tua pele é um convite eterno de noites embriagadas e solavancos doloridos. É uma sede que me joga repicando as veias, vivendo de súplicas e delírios sondáveis, é uma sede que dura a vida toda. Eu faço poesia na tua saliva e declamo-a nos beijos, desconhecendo minhas preces, minha paz, minha calma, minha solidão. Apego-me às noites dormidas dentro dos teus ombros exaustos que me puxam numa cegueira viva e nítida, quase eterna. Balbuciaste teus apelos perdendo-se em meus braços, pernas, amasso... Tua voz celebra o orgasmo que eu tenho nos teus olhos, celebra o amor. Eu te amo.

(Teresa Coelho)
25/09/2010

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Uma Parte

-- Paralisada, disse ela para as mãos. – Se mexam! Se mexam! Implorou com certa conformidade no tom de voz. A menina dos cachos quebrados ficou sozinha na calçada da rua esburacada e escura. Guardava dentro dela um segredo que nem ela mesma lembrava se era verdade ou vontade de ser. Mas o que queria aquela criatura desnutrida de sonhos, parada numa rua desconhecida? Ela crescera lá. E crescera no interior de sua infância uma coisa crua e sem cor, sem muitas lembranças práticas... Não tinha culpa se não se lembrava das coisas significativas. Todavia, o que poderia ser mais significativo do que não saber pela primeira vez que não é preciso comparar flores e estrelas? Os sapos começavam a morrer na estrada, o vento gélido e úmido endurecia a saia e arrepiava de alguma forma mágica cada poro de suas coxas brancas e sem vida. Abaixou a cabeça por um momento e percebeu seus pés afundarem na areia que ia arranhando gradualmente suas feridas encobertas pelo tempo. No silêncio do desconhecido é que ela pudera reconhecer suas verdadeiras coisas: o ritmo da respiração; o gosto de sangue na língua; a testa quente; o relógio atrasado; o peso nos olhos; o cansaço dos ombros; o descaso às coisas complexas; a bagunça da sua história. Só que sem perceber suas mãos começaram a se mexer. Ela acordou para fora e berrou feito um animal ferido:
--Mãe, eu ainda tenho vida!

(Teresa Coelho)
09/09/2010

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Meio

Acordei meio parida, meio vivida, meio alguma coisa por completo. Deixei minhas roupas sujas no chão mofado do meu quarto, deu vontade de me deitar junto delas, de peneirar minha existência sem existir. Sobressaltei minha cegueira sobre as árvores e caí dura e rachada no chão, feito uma barata que não morre de tanto apanhar. Eu nasci pelo avesso da sensibilidade e está tudo tão bagunçado dentro de mim, que não consigo me mover nem puxar o lençol para me cobrir. Sabe quando a alma treme na palma da sua mão e não tem como você salvá-la sem deixar o corpo desfalecer junto? Ainda sinto minha pele gritando, ainda sinto o calor abrasivo das minhas mãos prendendo a verdade na boca, ainda sinto a fome dos aplausos exaustivos no meu estômago. A partir de agora é ter que ver o dia se acabando e misturar meu encanto, meu tormento, meus calos e minha eterna melancolia pendurados na minha espera melada de sonhos e saudade. O sol se foi.

(Teresa Coelho)
08/09/2010

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Eu posso abastecer silêncio, mas não me deixe ser abastecida por ele.

(Teresa Coelho)