sexta-feira, 12 de julho de 2013

Quando as flores não são roubadas

“Não me espere, não. Hoje à noite o jantar vai ser o mesmo de ontem. Acabou o pó do café, vê se não reclama tanto, faz dois dias que não durmo.” Virgínia precisou repetir trinta vezes essa fala, mas em silêncio, para não alterar o fluxo das lágrimas. Tinha engordado bastante nos últimos meses, só as mãos que ainda cabiam naquela casa, o resto era só inchaço e a água pingando numa bacia de alumínio. Eram três horas da tarde quando ela sentiu o suor escorrer por entre as coxas. Por que oprimir as flores de alguém que nunca voltou para casa? Virgínia queria que todo o seu corpo transpirasse. Saiu sem levar as chaves de casa, não reconhecia mais a sua rua, sua cidade, sua vida. Era tão nova e sentia-se tão finita. A última vez que pintara os olhos foi por descuido da noite, da boca molhada e do pelo arrepiado. Embriagou-se no boteco mais escuro do centro da cidade. Ela ria tão alto da polícia que a encarava de longe, ria dela e ria dos vizinhos com aqueles pijamas ridículos. Seu sorriso era mais obsceno que o abandono da vida. Virgínia era a solidão pintada no rosto de uma atriz. Já era madrugada quando ela pegou um táxi que fedia a um perfume doce, a rádio sintonizada numa melancolia nostálgica. A madrugada é sempre uma melodia distante. O sol já amanhecia, mas ninguém havia esperado por ela, não havia café e tudo continuava como uma flor que murchava, aos poucos, na sombra. Tudo era chão, tudo era o fim de uma música e o começo do horário comercial.

(Teresa Coelho)

12/07/2013

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