quarta-feira, 30 de junho de 2010

Sem Título

O meu canto é soprado pelo lugar que eu gosto de habitar. Prefiro os botecos empoeirados, com pouca iluminação vermelha e verde. Chão escuro de madeira com manchas de bebida, cheiro de cigarro, gelo seco e sexo. Nenhum olhar se encontra por medo, é por vontade, é por fazer de conta que está olhando, é pra reacender alguma saudade. Estou bem, muito bem ao lado das putas, dos gays, das lésbicas, dos doentes terminais, dos covardes, dos solitários e da minha solidão. Queria fotografar o barulho dos copos brindando a irrelevância de estar ébrio, porque há uma mutualidade de sentimentos dispersos, e cada lágrima representa uma dessas agonias. Meu vício agora é beber o meio termo da vida, o bigode dos velhos abandonados, a cárie das crianças com sede, a impotência sexual dos fumantes, o frio dos mendigos, os pés dos garis, as mãos do agricultor, o mundo dos autistas, o grito do parto. Fuligem de carro; alguém cai de repente no meio fio; um salto quebra; uma mãe desesperada liga; um caminhão espreme um sapo; uma folha cai; um gato se assusta; alguém morre. As portas estão se fechando, as pessoas vão embora do boteco deixando marcas vermelhas de batom nos copos, garfos caídos, cabelo no chão. De alma lavada saem e se deitam com vergonha do que fizeram, para no outro dia irem trabalhar como fantoches sem plateia.

Teresa Coelho
28/06/2010

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