O despertador toca às cinco horas da manhã todos os dias. Dalva
abre os olhos e fita o teto, fica se perguntando por que ela sempre se esquece
de tirar a poeira dali. Nunca conseguiu ter filhos nem um marido. Quem sabe
ainda fosse virgem – ou tivesse um ventre nostálgico. Levanta à procura da
sandália desgastada, que um dia fora confortável, mas hoje é automaticamente
uma parte velha do corpo. Dalva fuma para se adaptar à solidão e bebe café
forte para se sentir mais convencional. A meia idade já não era tão boa como
antes. Os seios murchos pesam cada vez mais sobre suas mãos, eles são feitos
dentro da vitrola quebrada que fica no vão escuro da música. “Por que nos
levantamos todos os dias?” pergunta Dalva ainda olhando para o teto. Já são cinco
e quinze da manhã, e a pobre mulher nunca teve tempo para imaginar uma vida
diferente da sua. Pôr a mesa; tirar a mesa; lavar os pratos; secar os pratos;
enxugar as mãos; acender um cigarro; café; jogar o lixo; tirar a roupa; tomar
banho; chorar; fechar os olhos; vestir a roupa; sair de casa; calor; medo;
trânsito; trabalho; café; cigarro; estresse; cansaço; voltar para casa;
esquecer o pão; dor de cabeça; armário vazio; televisão ligada; vizinhos
felizes; solidão; olhos vagos; rugas; tirar a roupa; tomar banho; espelho embaçado;
cama; cinco horas da manhã e o teto ainda empoeirado. Temos fantasmas internos que
gritam por respostas, Dalva é apenas um fantasma de meia idade, mas que se
levantou, pois nenhuma resposta mudaria sua vida – a gente levanta porque a
vida é muda e verídica.
(Teresa Coelho)
14/11/2012
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