terça-feira, 13 de novembro de 2012

Fantasma de meia idade


O despertador toca às cinco horas da manhã todos os dias. Dalva abre os olhos e fita o teto, fica se perguntando por que ela sempre se esquece de tirar a poeira dali. Nunca conseguiu ter filhos nem um marido. Quem sabe ainda fosse virgem – ou tivesse um ventre nostálgico. Levanta à procura da sandália desgastada, que um dia fora confortável, mas hoje é automaticamente uma parte velha do corpo. Dalva fuma para se adaptar à solidão e bebe café forte para se sentir mais convencional. A meia idade já não era tão boa como antes. Os seios murchos pesam cada vez mais sobre suas mãos, eles são feitos dentro da vitrola quebrada que fica no vão escuro da música. “Por que nos levantamos todos os dias?” pergunta Dalva ainda olhando para o teto. Já são cinco e quinze da manhã, e a pobre mulher nunca teve tempo para imaginar uma vida diferente da sua. Pôr a mesa; tirar a mesa; lavar os pratos; secar os pratos; enxugar as mãos; acender um cigarro; café; jogar o lixo; tirar a roupa; tomar banho; chorar; fechar os olhos; vestir a roupa; sair de casa; calor; medo; trânsito; trabalho; café; cigarro; estresse; cansaço; voltar para casa; esquecer o pão; dor de cabeça; armário vazio; televisão ligada; vizinhos felizes; solidão; olhos vagos; rugas; tirar a roupa; tomar banho; espelho embaçado; cama; cinco horas da manhã e o teto ainda empoeirado. Temos fantasmas internos que gritam por respostas, Dalva é apenas um fantasma de meia idade, mas que se levantou, pois nenhuma resposta mudaria sua vida – a gente levanta porque a vida é muda e verídica.

(Teresa Coelho)
14/11/2012

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