domingo, 20 de fevereiro de 2011

Espaço vazio

De tarde chovia sem trégua, a goteira no rosto dela era o único som fora o da chuva. Foram-se os pássaros, os cachorros, os carros na rua, tudo estava quieto, morto... confuso. Alice abriu os olhos, mas preferiu afogar-se de pingo em pingo a levantar e lembrar que acordou no dia errado. No dia errado pro amor. Levantou-se nua, frio nas pernas e calafrios, ainda um pouco embriagada, não quis ver o dia, não quis se olhar no espelho nem sair do quarto. Sentou no chão morto e chorou, não, não chorava, soluçava sem compasso, sem cautela, com dor. Não conseguia fingir, mas também não podia fugir daquele dia. Achou o telefone e com a visão embaçada tentou, até lembrar-se dos números:
- Por que você também não acordou com a chuva?
- Porque não quis.
- Hoje eu preciso te ver.
- Hoje não dá...
- Nunca tem tempo pra mim.
- Você nunca me dá espaço para eu sentir vontade de ter tempo prá você.
- Eu te sufoco?
- O tempo todo.
- Quero te abraçar, to com frio.
- Já disse que não quero mais falar sobre isso.
- Eu só disse que queria te abraçar...
- Você sempre quer mais. Jamais eu iria te saciar apenas com um abraço.
- É porque eu nunca tive o suficiente...
- E o que mais pode ser suficiente?
- Você seria suficiente. Você de verdade na minha vida, para me abraçar.
- Já disse que não quero falar sobre isso!
- Precisava te dizer tantas coisas hoje...
- Você nunca fala. Cansei de esperar você querer falar, esse silêncio nos desgastou muito...
- Um dia você prometeu que ia cuidar de mim e me ensinar sobre a vida.
- As coisas mudam. Nós mudamos. Acabou, acabou!
- Dentro de quem acabou? Quando alguma coisa pode acabar? Fale-me, porque eu não consigo sentir.
- Você acabou dentro de mim. Eu não te sinto mais quando ouço sua voz.
- Eu te amo.
- Eu vou desligar, preciso ir...
- Feliz aniversário.
- Adeus.
Alice não conseguia desligar. Ficou escutando a alma queimar junto com o barulho da linha do telefone. Olhou pro seu corpo nu e pálido, abandonado e feio como a alma que queimava. Sofria porque nunca soube dar pouco, nunca soube pensar mais nela, porque nunca quis amadurecer. ‘’Até quando, até quando?’’ perguntava olhando pro telefone caído e sua vida jogada fora.

Teresa Coelho
20/02/2011

2 comentários:

  1. Que intenso!
    Lembrei de coisas... Ultimamente tenho lembrado de muitas coisas, afinal. Fui descendo achando que era uma parte de uma historia. Mas acho que esse trecho foi o suficiente.
    Um texto que sente dor.
    Vou voltando, olhos de espuma.. vou voltando qualquer tarde dessas..
    abraços

    ResponderExcluir