terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Batom vermelho

Eu fui parida sem a parte do sêmen, por isso nunca conseguiram me deixar bonita esperando a vida sem dor. Ninguém escolhe a solidão que carrega dentro da infância. Hoje eu choro porque nunca me ensinaram a falar, porque meus olhos me encaravam no espelho e eu não podia desabar, me obrigava a passar o batom vermelho nos lábios pequenos, embaixo da cama, sem fazer barulho, sem usar espelhos. As lágrimas não deviam borrar meu batom, não deviam revelar meu rosto perdido. Eu chego perto das minhas bonecas, e elas são tão feias, mas são minhas, contam o que me reflete. Uma vez disseram que os bois viriam me pegar e iriam machucar, mas outro bicho me machucou, um bicho igual a mim, e ainda dói, ainda dói porque eu não soube falar, eu só chorava... Por culpa dele meu batom vermelho borrou, escorreu feito sangue no meu corpo virgem e feio. Tento fugir dessas ausências criando pessoas que permanecem ocupando os espaços vazios e costuram meus versos como uma desculpa por existir. Mas esta noite terminei de limpar o batom vermelho que um dia desfez meus sonhos.

Teresa Coelho
14/02/2012

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