domingo, 3 de março de 2013

Eco


Depois que desci do ônibus, havia só uma passarela escura, um hospital velho e alguns carros correndo apressados às suas casas, para enganar o cansaço. Fui o trecho do caminho pensando se eu teria esquecido as chaves de casa em cima da mesa do bar ou se eu poderia ter ficado mais tempo no ônibus – como se alguém atormentasse o céu tentando limpar as nuvens carregadas. Quando entrei em casa, senti meu corpo socorrendo minha alma, enquanto você ecoava na ausência onde o resto do café da sua última xícara fazia o vento congelar minha garganta num nó agudo, da sandália no canto da sala, como se os seus pés ainda estivessem lá, da toalha pendurada em cima da minha, quando ainda era o seu corpo que se pendurava à minha cintura. Confundi o quarto com o seu cheiro de erva doce amadeirada e a cama era uma veia que pulsava fora do corpo. A noite transfigura o rosto numa parte solta à realidade. O travesseiro parecia ressoar sua risada sem roupa – sua boca sorri sem roupa. Você ecoa por toda a casa, na chuva, lá fora. Se eu não tivesse descido do ônibus nem lembrado das chaves, eu não teria conhecido você, aqui, dentro de mim.

(Teresa Coelho)
04/03/2013

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